Algumas considerações sobre o conceito de “projeção”

(02 de abril de 2012)

Recentemente, no Facebook,  a colega Tania Frison me pediu para indicar um texto sobre a questão de na projeção psicologia analítica. Como não conhecia nenhum texto, pensei em produzir um pequeno comentário sobre esse conceito.

Em primeiro lugar é fundamental lembrarmos que o conceito de projeção é uma herança psicanalítica adotada por Jung. Apareceu nas “primeiras publicações psicanalíticas” de Freud, mais precisamente no texto “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” de 1896. Nesse texto, Freud um estudo comparativo entre histeria, neurose obsessiva e paranóia, para então compreender e apresentar o mecanismo de defesa dessas neuroses.

Parte dos sintomas, ademais, provém da defesa primária – a saber, todas as representações delirantes caracterizadas pela desconfiança e pela suspeita e relacionadas à representação de perseguição por outrem. Na neurose obsessiva, a auto-acusação inicial é recalcada pela formação do sintoma primário da defesa: aautodesconfiança. Com isso, a auto-acusação é reconhecida como justificável; e, para contrabalançá-la, a conscienciosidade que o sujeito adquiriu durante seus intervalos sadios protege-o então de dar crédito às auto-acusações que retornam sob a forma de representações obsessivas. Na paranóia, a auto-acusação é recalcada por um processo que se pode descrever comoprojeção. É recalcada pela formação do sintoma defensivo de desconfiança nas outras pessoas. Dessa maneira, o sujeito deixa de reconhecer a auto-acusação; e, como que para compensar isso, fica privado de proteção contra as auto-acusações que retornam em suas representações delirantes. (FREUD, 1996, p.182)

No texto acima, podemos perceber que Freud descreve a projeção como um mecanismo defesa, onde um conteúdo pulsional é reprimido, modificado e deslocado para um objeto externo.  Essa é a visão clássica da psicanálise.

A compreensão de Jung acerca da projeção é, até certo ponto,  próxima da psicanálise, especialmente em seu aspecto estrutural, segundo Jung,  “A projeção – onde quer que os conteúdos subjetivos sejam transportados  para o objeto, surgindo como se a ele pertencesse – nunca é um ato voluntário”(JUNG, 2000, p. 146). Contudo, a semelhança termina por aqui.

No que diz respeito ao aspecto funcional, a compreensão de Jung é outra, pois, para ele o mecanismo de projeção fazia parte da dinâmica normal (ou  natural) da psique, podendo estar relacionada a uma dinâmica saudável da psique ou atuar como uma mecanismo de defesa como na patologia(como era na visão de Freud). Toda e qualquer afirmação acerca de um caso específico onde a projeção se manifesta deverá considerar seu próprio contexto.

Daryl Sharp, em seu “Léxico junguiano”(1993), nos informa alguns aspectos importantes acerca da projeção segundo Sharp,

É possível projetar certas características em outra pessoa que não as possui em absoluto, mas, a pessoa sobre a qual se dá a projeção pode, inconscientemente, encorajar a tal projeção.

(SHARP, 1993, p.127)

(NOTA:  Em seu texto, Sharp prossegue fazendo uma citação direta de Jung, como a tradução da Cultrix é muito diferente da tradução da Vozes, vou fazer a mesma citação utilizando a tradução da vozes, para facilitar  a localização e a pesquisa por parte dos interessados.)

Em tais casos é freqüente ver que o objeto oferece uma oportunidade de escolher a projeção, ou mesmo a provoca. Isto acontece quando o objeto (pessoa) não está consciente da qualidade projetada. Com isto ela atua diretamente sobre o inconsciente do interlocutor. Com efeito, qualquer projeção provoca uma contra-projeção todas as vezes que o objeto não está consciente da qualidade projetada sobre ele pelo sujeito.(JUNG, 2000b, p.211)

Sharp/Jung nos apresenta aspectos importantes que nos permitem compreender a dinâmica da projeção, esmiuçando essa citação:

1 – Muitas vezes a projeção é provocada, incentivada, ou motivada por certas características do objeto.

2 – A projeção pode significar uma relação inconsciente de dois individuos.

3 – A projeção provoca uma contra-projeção.

Esses três aspectos estão intimamente relacionados, acredito que um exemplo, pode nos ajudar. Um rapaz imaturo, dependente,  indeciso, com um complexo materno acentuado, pode projetar numa mulher forte e independente (com quem tenha ou não relação afetiva), aspectos de seu complexo materno, mesmo que essa mulher não apresente caracteristicas maternais, pode vir, devido a projeção, apresentar características de cuidado maternal. Esses atribuitos de “independência e força” podem servir de “gancho” favorecendo a projeção, isto é, oferecendo um “gancho” para que a projeção fosse “pendurada”.

Assim, compreendendo que a projeção corresponde a uma dinâmica natural da psique, podemos dizer que

A projeção tem, também, efeitos postivos. No dia-a-dia, ela facilita as relações interpessoais. Além disso, quando supomos que alguma característica ou qualidade está presente em uma pessoa, e constatamos, então, pela experiência, que a suposição não tem fundamento, podemos aprender algo sobre nós mesmos. (SHARP, 1993, p.127-8)

(NOTA: Em seu texto, Sharp prossegue fazendo uma citação direta de Jung, como a tradução da Cultrix é muito diferente da tradução da Vozes, vou fazer a mesma citação utilizando a tradução da vozes, para facilitar a localização e a pesquisa por parte dos interessados.)

Por isto, enquanto o interesse vital, a libido, puder utilizar estas projeções como pontes agradáveis e úteis, ligando o sujeito com o mundo, tais projeções constituem facilitações positivas para a vida. Mas logo que a libido procura seguir outro caminho e, por isto, começa a regredir através das pontes projetivas de outrora, as projeções atuais atuam então com os maiores obstáculos neste caminho, opondo-se, com eficácia, a toda verdadeira libertação dos antigos objetos. (JUNG, 2000b, p. 203)

Assim, Sharp/Jung apontam como as projeções propicia a dinâmica interpessoal. Essas projeçôes diminuem as defesas e auxiliam o individuo se permita a experiência.

A necessidade de retirar as projeções é, geralmente, indicada por expectativas frustradas nos relacionamentos, acompanhadas de um forte afeto. Jung era da opinião, contudo, que enquanto houver uma discordância óbvia entre aquilo que imaginamos ser verdade e a realidade que se nos apresenta, não há necessidade de se falar em projeções e menos ainda de retira-las. (SHARP, 1993, p.128)

(NOTA: Em seu texto, Sharp prossegue fazendo uma citação direta de Jung, como a tradução da Cultrix é muito diferente da tradução da Vozes, vou fazer a mesma citação utilizando a tradução da vozes, para facilitar a localização e a pesquisa por parte dos interessados.)

(…) mas só se pode denominá-la projeção quando aparece a necessidade de dissolver a identidade entre sujeito e objeto. Esta necessidade aparece quando a identidade se torna empecilho, isto é, quando a ausência de conteúdo projetado prejudica muito a adaptação, e o retorno desse conteúdo para dentro do sujeito se torna desejável. A partir desse momento a prévia identidade parcial adquire o carater de projeção. Esta expressão designa, pois, um estado de identidade que se tornou perceptível(JUNG, 1991, p. 436)

O texto de Sharp/Jung nos oferece uma compreensão muito importante, somente podemos falar em projeção quando ela se torna desfuncional, nesse caso, será perceptível a incompatibilidade entre as percepções do sujeito e a realidade do objeto. Antes disso, ela será apenas parte da dinâmica natural.

Jung ainda fazia uma distinção entre projeção ativa e passiva. Em linhas gerais, a projeção ativa seria o que chamamos de empatia, “sentir com o outro” ou “sentir como o outro” o que poderia chegar a identificação. Por outro lado, a projeção passiva seria o que compreendemos normalmente como a projeção, um fenômeno inconsciente que nos toma.

Frente ao que comentamos, fica mais claro para compreender algumas das projeções específicas, como a sombra, anima ou animus e os complexos. De forma geral, para haver a projeção é necessário um “gancho” sobre o qual possa se estabelecer essa projeção. No caso da sombra, que está relacionado com os aspectos próprios negados pelo Ego, a tendência é a projeção em pessoas do mesmo sexo. Pois, a identidade se torna mais clara. Essa projeção da sombra, em alguns casos é “aversiva”  e o individuo vai se sentir “perseguido” ou tendo na receptáculo da projeção um inimigo. Em outros casos, a projeção da sombra se torna atraente, pois, a projeção da sombra pode indicar justamente aspectos subdesenvolvidos, que o sujeito precisa se desenvolver.

Por outro lado, a projeção da anima do homem ou do animus na mulher, vão sempre se relacionar a pessoas do sexo oposto. Isso porque os aspectos que vão constituir a anima ou animus não estão relacionados com a identidade do ego, mas, podem ser compreendidos como o totalmente outro.   

Acredito ser importante compreendermos que os vários aspectos da projeção, quer numa dinâmica de defesa ou na dinâmica saudável, têm por finalidade última favorecer o encontro do individuo consigo mesmo. Ao projetar um conteúdo no meio externo o inconsciente não “esconde” esse conteúdo, mas, expõe o individuo a esse conteúdo de uma forma que não ofereça tanto perigo ao Ego, possibilitando que o no momento certo o individuo possa se confrontar e integrar esse conteúdo, dando mais um passo no processo de individuaçao.

Referências Bibliográficas

FREUD, S. . Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa. In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. vol. III.

JUNG,C.G. Vida Simbólica Vol. I , Petrópolis,: Vozes 2000

_________ Tipos Psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1991.

_________. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 5. Ed. 2000b.

SHARP, Daryl – Léxico jungiano: dicionário de termos e conceitos – São Paulo: Cultrix. 1993. 167 p. (Estudos de Psicologia Junguiana por Analistas Junguianos)

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

www.psicologiaanalitica.com

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