Sobre o desenvolvimento do Ego – Notas para o grupo de Estudo

No dia 15 de abril, discutimos no grupo de estudos o capítulo “O Eu” do livro Aion, do Jung. Para pensar a complexidade do Ego, optei por apresentar a visão de desenvolvimento do Ego por Fordham

1 – Quando falamos do bebê, quer esteja na barriga da mãe ou logo após o nascimento, ele não possui um ego formado ou mesmo um psiquismo diferenciado. O que há é um self primário, uma unidade psicossomática, com todo o potencial arquetípico para o desenvolvimento físico e psíquico.

2 – Fordham afirma que o Self primário é perturbado pelo nascimento (A criança como individuo, p89) por todos os estímulos envolvidos tanto no parto quanto pelo ambiente que geram a ansiedade “prototípica” que mobiliza o organismo, que depois se estabiliza, e repete-se continuamente num processo de relação com o ambiente. Essa ansiedade prototípica é um estado de prontidão a experiência. 

3 – Fordham nomeou de deintegração ao estado de prontidão, mobilização do self-organismo frente à experiência, isso significa que o self se mobiliza, ativando à área do corpo correspondente ao estímulo, por exemplo, a fome mobiliza a zona oral preparando para a sucção, com a satisfação da fome, o self se estabiliza, reintegra (ou seja, a área ativada retorna à totalidade), trazendo a experiência como aquisição pessoal. 

4 – Nos primeiros meses não há a diferenciação de objeto interno ou externo, não há uma diferenciação entre a boca e o seio, entre o indivíduo e o ambiente. Não há um sistema representacional de imagens conscientes ou linguagem, a experiência é sobretudo sensorial. Sobre esse estado primário, Ogden comenta  

Para começar a entender a experiência do bebê ao fantasiar, deve-se tentar o impossível, tentar imaginar-se fora do sistema de símbolos verbais nos quais os adultos vivem e estão presos e, em vez disso, imaginar-se em um sistema de experiência não verbal, sensorial (incluindo experiências viscerais e cinestésicas). Esse ato de imaginação envolve, em parte, uma tentativa de pensar sem palavras. Apesar da extrema dificuldade que temos em nos imaginarmos no estado psicológico do bebê, não há nada de místico na ideia da fantasia infantil. (…) Como no inconsciente, apenas os derivados da fantasia infantil são observáveis. (Ogden, A Matriz da Mente p. 33-4) 

5 – O Self não é um dado subjetivo, mas um Self-objeto (não há sujeito ou subjetividade nesse momento do desenvolvimento) que não tem atividade reflexiva ou volitiva, o processo de deintegração(a expressão da força motriz para o desenvolvimento) não é um dado intencional, nem desejante; é antes de tudo, um padrão arquetípico que impulsiona ao desenvolvimento, através do manejo e o cuidado afetuoso que a criança recebe mães e cuidadoras , que sustenta o processo deintegrativo-reintegrativo.  

A mãe, nesse momento, é que C. Bollas chama de “objeto transformacional”, ou seja, a mãe possibilita os processos de transformação que ocorrem Self primário. A deintegração e reintegração é uma forma de descrever essas transformações que são somáticas, psíquicas e ambientais. O “objeto transformacional” mobiliza a energia, transforma e integra a existência. Acredito que objeto transformacional seja a experiência mais profunda e primitiva de um “símbolo do Self”. 

5 – Essas transformações no self, que chamamos de  deintegração – reintegração – são processos continuos e rítmicos naturais, Bollas descreve isso dessa forma.   

A dor da fome, um momento de vazio, é transformada pelo leite da mãe em uma experiência de plenitude. Esta é uma transformação fundamental: vazio, agonia e raiva se tornam plenitude e contentamento” (A sombra do Objeto, p. 68) 

A partir da deintegração-reintegração, a experiência biológica se transforma gradativamente em psíquica. Dando inicio ao longo processo de organização psíquica e das relações objetais que levarão ao desenvolvimento do ego  

6 – Com atividade contínua de deintegração-reintegração, a experiência pessoal começa a se firmar e ser estável. Podendo ser reconhecível os objetos do Self como padrões estáveis, básicos de resposta aos estímulos (padrões de movimentos, sorrisos, choro) – ou seja, esses objetos do self envolvem um grau de integração da experiência pessoal (que vão dar origem aos complexos). A partir desses objetos, manifestos entre o somático e o psíquico, começa-se a surgir as representações do self, que se apresentam como ilhas ou núcleos de consciência – que são estados parciais de consciência do Self, que formam os núcleos do ego, que pela atividade organizadora/centralizadora do self integrar-os  e gerando como o ego. A integração do ego emerge como resultado da relação do Self com o ambiente – ao que conduz ao longo processo de amadurecimento que atravessa a vida toda do individuo. 

7 – O amadurecimento do ego na infância necessita de um ambiente bom o suficiente. A experiência positiva dos objetos bons é importante por dar segurança, estabilidade e continuidade nas relações. O objeto mau é identificado como ameaça, como contrário a continuidade da vida,  trazendo ansiedade e instabilidade ao self / ego, que mobilizando defesa para expulsa-los ou neutralizá-los . Forhdam comenta 

O seio bom também pode ser assimilado, introjetado, e isso dá ao bebê a oportunidade, de ter dentro de si mesmo objetos bons, aumentando a vivência de si mesmo como bom, pela identificação com objeto bom. (A criança como individuo, 107) 

Ao longo de todo o desenvolvimento, os processos defensivos visam expelir os objetos maus, garantindo a estabilidade interior que possibilita a continuidade dos processos deintegrativos/reintegrativos, assim como o fortalecimento do ego. É necessário que o ego tenha a vivência de si mesmo como bom, estável, satisfatório, ou seja, tendo a experiência de coesão e segurança – o que possibilitará o desenvolvimento saudável da autoimagem, de autoconceito, autoestima e autoconfiança. 

As defesas primitivas, basais, ou do self são fundamentais nesse momento – pois, o ego imaturo possui poucas(ou nenhuma) capacidades defensivas. A relação objetal inicialmente se dá no prisma do que Melaine Klein descreveu da posição esquizoparanóide, onde não há a reflexão (ou ego reflexivo), a criança ainda não tem a capacidade de suportar com a ambivalência do objeto total, lidando basicamente com processos de defensivos (onde a figura a experiência do ameaçado/ameaçador), por meio de divisões no objeto (bons e maus) como defesa principal. Esses processos se sustentam na onipotência – predominando o pensamento mágico, onde o objeto pode ser destruído e reconstruído, sem dimensão da perda do objeto. 

8 – Com o amadurecimento biológico e psíquico ocorre o desenvolvimento da capacidade do ego em lidar com a ambivalência dos objetos, tomando consciência da perda, entrando para uma dimensão histórica (onde a perda marca o passado, presente e futuro). Esse desenvolvimento faz a passagem da experiência objetiva para subjetiva, isto é, o com desenvolvimento de um ego reflexivo capaz de fazer escolhas, sofrer(com a perda) e cuidar dos objetos(ou buscar formas de reparação).  Essa passagem foi nomeada por klein como posição depressiva, onde emerge um eu subjetivo.  

A posição esquizoparanóide e depressiva não são superadas, mas coexistem ao longo e expressam de modos de organização psíquica.  

9 – Ao longo de todo esse processo descrito, mesmo antes da criança ter a consciência e capacidade de lidar com os símbolos, há a presença simbólica e transformadora da mãe, que através da “função alfa materna” (ou função transcendente materna), que transforma as expressões somáticas, p.ex. choros em algo com significado- o choro é simbolizado como fome, frio, calor etc  possibilitando o desenvolvimento simbólico do bebê. Como dito antes, a relação afetuosa, constante e segura fornece objetos bons que possibilitam o amadurecimento.  

10 – Esses processos descritos, começam desde o nascimento e desenvolvem principalmente ao longo da infância atuando no amadurecimento do ego (mas, podem ser percebidos ao longo da vida). É fundamental o ambiente seguro, suficientemente bom, para que o ego se fortaleça e se estruture de modo coeso e integro, capaz de elaborar símbolos e exercer as funções conscientes e adaptativas de forma adequada. 

Quando há uma falha catastrófica no ambiente imediato (pais familiares cuidadores) ou mediato (escola, igreja etc) – quer por violência, abuso, negligência, hostilidade – o desenvolvimento do ego pode ser prejudicado – podendo gerar uma neurose quanto quadros mais graves que podem levar a transtorno de personalidade – como no caso do trauma precoce. 

Referências Bibliográticas

FORDHAM, Michael, A Criança como Individuo, São Paulo, Cultrix, 2001

OGDEN, T. H. A matriz da mente: relações objetais e o diálogo psicanalítico. Tradução: Giovanna Del Grande da Silva. São Paulo, SP: Blucher; Karnac, 2017

Bollas, Christopher. A sombra do objeto. São Paulo: Escuta, 2015.

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Fabrício Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Diretor do Centro de Psicologia Analítica do CEPAES. Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  desde 2012 Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 99316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@cepaes.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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