Algumas palavras sobre o “Self” ou “Si-Mesmo”*

 

31 de agosto de 2010

O arquétipo do Self ou Si-mesmo é o principal arquétipo. O Self é descrito na psicologia junguiana como o arquétipo da totalidade e o centro regulador da psique. Segundo, Jung o Self “ […]não é apenas o ponto central, mas também a circunferência que engloba tanto a consciência como o inconsciente. Ele é o centro dessa totalidade, do mesmo modo que o eu é centro da consciência” (JUNG, 1994,p. 51)

O Self compreende em si a possibilidade das possibilidades humanas. Jung discutiu o Self e sua função na vida adulta, como um divisor de águas entre a primeira e a segunda metade da vida, no processo de individuação. Outros autores junguianos discutiram o Self no inicio da vida, como Michael Fordham e Erich Neumann. Neste trabalho, iremos propor um dialogo entre a compreensão de Fordham e Neumann. Pois, segundo Samuels,

é possível dizer que cada teoria é metade de um todo. Em uma visão conjunta, os modelos de Fordham e Neumann permitem que falemos de uma abordagem “junguiana” do desenvolvimento inicial com importantes diferenças de opinião(…). (SAMUELS, 1989, p.193)

Segundo Fordham, compreende que desde o inicio a criança nasce com o potencial arquetípico do Self, contudo o processo de desenvolvimento de ocorre por um processo de que ele chamou dedeintegração e reintegração.

O modelo de Fordham descreve como o Si-mesmo “de-integra-se” ou dividi-se espontaneamente em partes. Cada parte ativa ou é ativada pelo contato com o meio ambiente e posteriormente reintegra a experiência por meio do sono, da reflexão ou de outras formas de digestão mental a fim de se desenvolver e crescer. Em termos mais concretos, uma parte do Si-mesmo do bebê é energizada de dentro para lidar com uma situação externa, talvez porque esteja com fome (ele chora) ou porque o cuidador apareceu em seu campo (a mãe sorri e fala com o bebê). Este tipo de intercâmbio, que nos primeiros dias ocorre com maior freqüência entre o bebê e sua mãe ou outros cuidadores, é imbuído de uma variedade de experiências qualitativas – por exemplo, pode haver uma boa refeição, com uma mãe disposta e atenciosa, ou uma refeição perturbada, ou uma refeição na qual a mãe esteja emocionalmente ausente. A qualidade da experiência é reintegrada no Si-mesmo, com resultantes modificações na estrutura e repertório do Si-mesmo, levando assim ao desenvolvimento do Ego, já que o Ego é o “de-integrado” mais importante do Si-mesmo. (SOLOMON, 2002, p. 139-40)

De acordo com o modelo de Fordham, a partir dos estímulos que a criança vai receber, vão sendo constelados os equivalentes psíquicos/arquetípicos de recepção e reação, que vão configurar a Psique pessoal.

A evocação dos arquétipos e a correlativa liberação de desenvolvimentos psíquicos latentes não são processos apenas intrapsíquicos; eles ocorrem num campo arquetípico que abrange o dentro e o fora, e que inclui sempre, e pressupõe, um estímulo exterior- um fator proveniente do mundo. (NEUMANN, 1995, p.68)

A relação entre o mundo exterior e interior vai constelar os arquétipos necessários naquele momento. Segundo von Franz,

Cada arquétipo é um sistema energético relativamente fechado, a veia energética pela qual correm todos os aspectos do inconsciente coletivo. (…) Um arquétipo é um impulso psíquico específico que produz seus efeitos como um único raio de irradiação e, ao mesmo tempo, um campo magnético expandindo-se em todas as direções. Então, a energia psíquica de um “sistema” particular de um arquétipo está em relação com todos os arquétipos. (FRANZ, 1990, p11)

O movimento de deintegração e reintegração, ocorre durante toda a vida, sendo regido pelo Self, que “incita a este movimento para diante, e, se necessário, o realiza com força inexorável”.(NEUMANN, 2000, p.228).

Este movimento do Self, de ordenar e buscar a integração ou o desenvolvimento da Psique é chamado de processo de individuação. Jung se dedicou ao estudo do processo de individuação na meia idade onde ele pode ser percebido de forma mais clara, contudo, deve-se notar que na primeira infância este processo já se manifesta através da formação e estabelecimento do Ego. Entretanto, apesar da dinâmica e do processo de “centroversão” – como Neumann denominou – apresentar semelhanças na primeira infância e na vida adulta, não devemos considerar este como um “processo de individuação”, mas como o “processo integração do Ego”.

Ao longo da vida, o Self atua como um princípio homeostático ou regulador da Psique, no longo processo de desenvolvimento psíquico – que não se estanca com a maturidade, mas pode se desenvolver até o fim da vida.

Neumann nos chama a atenção para um ponto importante da participação do Self ao longo da vida, segundo ele

é muito útil entender uma das leis fundamentais da psique: o Self sempre se “disfarça” ou se “veste” como o arquétipo da fase para qual o progresso deve avançar. Ao mesmo tempo, o arquétipo dominante anteriormente é constelado de tal modo que seu lado “negativo” aparece. (ibid, p. 229)

Desse modo, cada constelação arquetípica e a necessidade de sua assimilação faz parte da dinâmica do Self, que se atualiza na vida individual. Assim, a neurose é um dinamismo psíquico que visa uma mudança de atitude do Ego, isto é, é uma expressão do processo de equilibração. Em outras palavras, a neurose é uma dinâmica que reflete o Self, uma vez que visa o reequilíbrio da dinâmica psíquica.

O Self é o ponto de partida do desenvolvimento do psiquismo e para onde esse desenvolvimento se dirige. No inicio o Self se apresenta como a possibilidade das possibilidades do desenvolvimento bio-psíquico humano, posteriormente, ele se manifesta como a concretização das possibilidades daquele indivíduo histórico.

* O texto deste post, foi retirado de minha monografia da especialização em “Teoria e Prática Junguiana”, denominada “ O lugar da Persona”. É um trecho do capitulo onde apresento a teoria junguiana, aqui eu fiz pequenas adaptações. Esta monografia foi orientada pela Prof. Dra. Elisabeth C.C.Mello.

Referências Bibliográficas

FRANZ, Marie-Louise von, A Interpretação dos Contos de Fada, São Paulo: Ed. Paulus , 1990.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Alquimia. Petrópolis: Vozes, 3. ed. 1994.

NEUMANN, Erich História da Origem da Consciência, São Paulo: Cultrix Editora, 1995.

_______________, O Medo do Feminino – E outros ensaios sobre a psicologia feminina, São Paulo: Paulus, 2000.

SAMUELS, Andrew, Jung e os Pós-junguianos, Rio de Janeiro: Imago Ed., 1989.

SOLOMON, Herter McFarland,, A Escola Desenvolvimentista, inYOUNG-Eisendrath, Polly, DAWSON, Terence, Manual Cambrigde Para Estudos Junguianos, Porto Alegre: Artmed Editora, 2002

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

www.psicologiaanalitica.com

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