Pensando a ansiedade na perspectiva junguiana

A ansiedade é uma experiência universal. Todos experimentamos a ansiedade em diferentes momentos da vida, diferentes formas e intensidades. Podemos conhece-la por diferentes nomes: aflição, angustia, impaciência, agonia, gastura, inquietude, preocupação etc; todos essas situações apontam para um estado de preparação(antecipação) tanto psíquico quanto somático. Em alguns casos podem predominar os aspectos psíquicos em outros os somáticos.

A ansiedade se caracteriza como uma resposta adaptativa a uma possível ameaça. No passado mais distante as ameaças eram mais objetivas, externas e que colocavam em risco a continuidade da vida. Com o desenvolvimento cultural as ameaças se tornaram diversificadas ampliando das mais objetivas às relacionadas a aceitação, segurança, desempenho de função dentre outras.

A psicodinâmica da Ansiedade

Na literatura junguiana temos poucas referências sobre a ansiedade. Geralmente a ansiedade é associada com amplificações mítica/arquetípicas ou a relação a constelação dos complexos ou na emergência de uma dinâmica arquetípica. Gostaríamos olhar por uma perspectiva diferente das concepções tradicionais e clássicas.

As amplificações arquetípicas em torno da ansiedade podem estar tanto associadas à personificações/representações do trickster ou da sombra (personificada em monstros) por indicarem perigo e ameaça, quanto ao Jung (2000, p.47) nomeou de “arquétipos de transformação” que são locais, ambientes e situações – por ex. caverna, floresta, abandono – que apontam para igualmente a indeterminação e insegurança.

A ansiedade se faz presente nas entrelinhas das narrativas, quando nos deixa apreensivos, incomodados, temerosos. As narrativas relacionadas a ansiedade tanto nos mitos e contos, indicam uma saída, uma forma de lidar com ansiedade – uma vez que indicam como lidar com o objeto que causa ameaça. Contudo meu objetivo, não é esmiuçar as dinâmicas arquetípicas vinculas a ansiedade mas pensar seu aspecto na psique pessoal.

Na esfera pessoal, devemos pensar a ansiedade tanto em termos de Self quanto em termos de Ego. A percepção da ansiedade em associada do Ego, vem desde a psicanálise de Freud (1996, p101) já postulava que o ego era a sede da ansiedade, uma concepção correta contudo incompleta quando consideramos que a ansiedade já está presente na primeira infância, num momento anterior ao desenvolvimento do ego. Precisamos pensar e diferenciar essas duas dinâmicas.

No período que antecede ao desenvolvimento/estabelecimento do Ego como centro/mediador das relações consciente, compreendemos que a criança está num estado desenvolvimento onde o Self, a unidade biopsíquica que gradativamente se deintegra possibilitando a organização do psiquismo, é o principio que incita e organiza do desenvolvimento(sobre o desenvolvimento veja nosso texto Perspectivas Junguianas acerca do Ego parte1/3 ).

Nos primeiros meses de vida a ansiedade se manifesta como resposta à ameaças como frio, calor, fome, dor dentre outros, que a criança tende a reagir com o comportamento de protesto (como choro e agitação) assim como à situações de separação da figura de apego que sustenta sensação a proteção e segurança da criança. Essas relações de apego são importantes pois, as figura(s) de apego recebem a projeção do Self na infância possibilitando um estado de estabilidade de segurança, que viabilizará o desenvolvimento com as relações do meio, com os outros.

A ansiedade expressa uma função defensiva, onde a energia se retrai ante aos objetos percebidos como ameaça e ativam as defesas, em busca de segurança. As defesas primitivas, também chamadas defesas do Self são base do desenvolvimento das defesas do Ego. Em todo caso, visam neutralizar o objeto de desprazer/medo/ansiedade para garantir um desenvolvimento adequado do ego (ou no caso, do ego a manutenção de suas funções).

As relações afetivas/apego servem às defesas visto que a figura de apego por geralmente afastarem os objetos negativos/ansiogêncios. Contudo, quando essas figuras de apego falham seja pela separação continua, comportamentos ambivalentes, e/ou atitudes agressivas – não sustentando a segurança necessária ao desenvolvimento – as defesas atuam podendo manter um estado continuo de ansiedade (para evitar a perda na relação com as figuras de apego) ou em casos extremos atuam rompendo os laços afetivos de confiança e apego, como descreveu Donald Kalsched(2013) em seus trabalhos sobre o trauma precoce.

A ansiedade associada a processos do Self envolvem situações intensas apreendidas como ameaças à continuidade da vida. Mesmo em idades avanças, quando as defesas do Ego não são capazes de lidar com o estimulo-ameaça (no geral em situações traumáticas), como no transtorno de estresse pós-traumático. Com o desenvolvimento do Ego, a ansiedade se torna uma referência de enfrentamento e adaptação, tendendo a ser percebida como uma ameaça ao ego tanto em relação a sua integridade quanto ao exercício de suas funções.

Em outro texto, comentei sobre a complexidade do ego ( Perspectivas Junguianas acerca do Ego parte 2/3 ) que é um fator importante para pensarmos a ansiedade. Pois, assim como o ego tem um aspecto somático, inconsciente e consciente e a ansiedade se manifesta através do corpo, com conteúdos inconscientes e conteúdos cognitivos.

A dinâmica da ansiedade está relacionada a capacidade do Ego em se adaptar/responder as exigências do meio e manter da estabilidade/segurança do organismo – para tanto é necessário força e coesão do Ego, que também podemos compreender como resiliência. Assim, o ego responde de acordo com suas capacidades defensivas (isso envolve tanto defesas sociais como da persona e as mecanismos de defesa do ego) e as experiências de vida – que estão associada aos complexos. Assim, precisamos considerar:

– Organização e defesas do Ego: Temos três situações: a) um ego maduro, forte, coeso ou resiliente pode ser capaz de elaborar a situação de ansiedade, revendo suas possibilidades, aprendendo e criando novas estratégias de enfrentamento e adaptação. b) o ego maduro, forte coeso pode responder defensivamente afastando do campo da consciência a percepção do objeto ansiogênico, sem elaborar ou se modificar pela experiência, nessas situações é comum que suas funções se mantenham “normais”, pois o objeto foi neutralizado ou deslocado para o corpo – gerando quadros de estresse, doenças psicossomáticas e/ou autoimunes. Com frequência o paciente diz que não é ansioso ou não se acha ansioso, pelo fato da ansiedade não prejudicar o curso da consciência. c) um ego com experiências limitadas, constituído com laços afetivos com poucos recursos defensivos, cuja experiência (ao longo do desenvolvimento foi marcada pela ambivalência/insegurança) tem maior dificuldade para se adaptar, desenvolvendo um caráter defensivo mais acentuado, apresentando um grau maior de ansiedade.

Devemos observar que as situações a e b ocorrem naturalmente em nossa na vida cotidiana .

Complexos ideoafetivos: Os complexos fornecem ao ego recursos históricos e modelos pessoais de reação/resposta. Se ao longo da vida as experiências forem de insegurança, a tendência é que os complexos tensionem as defesas do ego, ativando de acordo com a situação de possível ameaça ou a repetição de situação anterior, esse tensionamento também é chamado de “constelação do complexo”. De forma geral, a constelação do complexo ocorre por analogia ou similaridade à situação anterior. A manutenção do estado defensivo ocorre justamente porque o ego-consciente não elaborou o conteúdo (tanto cognitivo quanto afetivo) da ameaça passada quanto das defesas. Contudo, esses conteúdos exigem também a análise dos fatores externos que ativam o complexo. (recentemente publicamos um texto sobre A teoria junguiana dos complexos).

Uma pequena amplificação acerca da ansiedade

A ansiedade é uma palavra que expressa um universo de significações. É importante percebermos como a ansiedade se manifesta para o paciente específico. E perceber suas manifestações somáticas, as relações de segurança/proteção que o paciente estabelece. Pois, cada uma das “variações” exige um olhar diferenciado. Essas variações são expressas nas classificações nosológicas mais comuns como transtornos fóbicos-ansiosos, transtorno de ansiedade generalizada; transtorno do pânico e o transtorno de estresse pós-traumático.

Como nosso objetivo não é discutir classificações, mas pensar manifestações, chamando para o fato de que ela pode ser qualificada pela predominância de outros afetos como medo que inibe os processos de que enfrentamento e adaptação gerando um recolhimento e a busca pela evitação; insegurança percebida como a preocupação que, diferente do medo, gera uma miríades de pensamento que sem foco/intenção não ganham forma e não se materializam como ação; a raiva que quando limitada e sufocada perde sua força expansiva, transformadora e criativa e se torna frustração e tendendo tensionar o corpo, gerando agitação e mobilizando uma série de sintomas somáticos; o poder envolve a necessidade de controle, reconhecimento e organização; esses são alguns exemplos que podemos compreender a ansiedade associada a outras emoções que podem estar claramente manifestas ou não.

Do mesmo modo, a ansiedade pode se manifestar afetando diferentes sistemas do corpo que pode se tornar uma forte resistência a mudança, ainda mais associada a diferentes emoções (como esboçamos acima) e na forma como interpretamos a realidade seja como nós compreendemos a nós mesmos, nossos recursos internos e a realidade circundante. Desde modo, precisamos compreender a complexidade da ansiedade e como afeta o individuo como um todo (corpo-emoções- cognição), para assim traçar estratégias mais eficafazes de trabalho com a ansiedade.

A psicologia analítica possui uma diversidadede possibilidades de trabalhos com a ansiedade, associando técnicas tradicionais da análise do inconsciente(complexos), sonhos, defesas com técnicas sandplay, hipnoterapia, técnicas expressivas dentre outras; que possibilitam a construção de estratégias com paciente, permitindo o ego, reorientando em relação a percepção do corpo, reconhecimento de recursos que o paciente tem e que pode desenvolver.

Acredito que vale a pensa considerar que o trabalho conjunto da psicoterapia/análise com as práticaspráticas integrativas e complementares a saúde, como acupuntura, fitoterapia e yoga, podem ser de grande contribuição no tratamento da ansiedade. A complexidade do fenômeno da ansiedade torna necessário integrar os recuros possiveis para auxiliar os paciente em seu tratamento – sem descartar os tratamentos alopáticos tradicionais.

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Referências bibliográficas

Astor, J. Michael Fordham: Innovations in Analytical Psychology. London: Routledge. , 1995

Freud, S. Inibições, sintomas e ansiedade In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (Vol. XX). Rio de Janeiro: Imago. 1996, p.101.

JUNG, C.G. Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo, Petrópolis: Vozes, 2000.

KALSCHED,D. O Mundo interior do Trauma, São Paulo:Paulus, 2013

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. / e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes /Instagram @fabriciomoraes.psi

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2 respostas para Pensando a ansiedade na perspectiva junguiana

  1. FRENILSON BRITO disse:

    Estudar reflexões oriundas do pensamento juguiano é muito prazeroso, fica mais ainda quando encontramos associações de demandas clinicas ao que pensou Jung.

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